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Um pouco de tudo; nada de pouco
Esse era o slogan do meu primeiro blog, nos anos 2000. Aprendi muito desde lá.
Eu invejo as pessoas que têm um único hobby ou uma única paixão e podem se entregar integralmente a eles. Invejo porque eu claramente não sou uma dessas pessoas. Sempre tive muitas paixões.
Gostaria de poder me dedicar ao xadrez, me envolver com a comunidade e jogar diariamente. Gostaria de estudar gastronomia, de fazer cursos de filosofia e antropologia, de estudar psicanálise a fundo, de viajar o mundo fazendo trilhas, aprender diversos idiomas, tornar-me um budista asceta, ler cada vez mais livros, fotografar e editar lindas paisagens, escrever as inúmeras histórias que bolo na cabeça e os poemas que vêem ao coração.
O desejo e o brilho nos olhos por inúmeros assuntos são incessantes. Por muitos anos me culpei por não conseguir focar em uma única atividade. Afinal, para ser um bom enxadrista, um bom poeta, um bom cozinheiro, um bom antropólogo, um bom budista, um bom fotógrafo, enfim, para ser bom em algo é necessário dedicação. E como se dedicar a tudo isso?
No poema “Eles me perguntam”, do meu primeiro livro (2016), trago um pouco dessa angústia.
Tenho observado que abrir mão de querer ser — especialmente querer ser alguém, de querer ser bom, ter reconhecimento — e apenas curtir os momentos, tem me feito muito bem. Por exemplo, como resolução de 2022, meu objetivo foi o de desistir de me tornar escritor. Estou cada vez mais próximo da meta. Nunca me senti tão satisfeito com a vida antes.
Isso não quer dizer que não haja sofrimento, mas posso afirmar que os momentos felizes são mais plenos e os tristes, mais passageiros.
Esse é um resultado preliminar de uma prática que tenho desenvolvido: ao surgir um desejo, indago “o que quero quando quero esta coisa?”
Por exemplo, quando penso que queria abandonar tudo e viajar pelo mundo, me pergunto: por que quero abandonar minha casa? o que quero da viagem pelo mundo? Por que viajar o mundo me chama a atenção, mas armar uma barraca à beira da praia da cidade vizinha não é uma opção?
Descobri que geralmente o que quero é algo idealizado. E a realidade é sempre ruim se comparada ao idealizado. Agora, se olho apenas a realidade, aí vejo algo mágico. O agora é mágico.
O agora é uma fonte de poesia muito preciosa, principalmente para haikais. Eu já comentei sobre o que é um haikai em uma edição antiga da newsletter. Esta forma foi popularizada por um monge Zen budista chamado Matsuo Bashô. Vale a pena ler a página da Wikipedia com sua biografia para entender melhor.
Muita coisa legal aconteceu nos últimos tempos relacionadas a haikais. Espero na próxima edição da newsletter poder compartilhar mais detalhes. Tem livros vindo aí, fiquem atentes!
Por ora, deixo alguns escritos meus:
duas maritacas
conversam enquanto voam —
estar entre amigos
o rastro do pano
piso claro que reluz
cheiro de lavanda
rotina e trabalho
à milhão, sentado à mesa
e o gato a dormir
Um abraço!