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Psicodelia nos vídeos relacionados do YouTube
Me inspiro muito em música. Essa semana escutei um álbum que adoro e me deu vontade de escrever.
Me inspiro muito em música. Essa semana escutei um álbum que adoro e me deu vontade de escrever. Sou muito fã do que foi produzido nos anos 70 no Brasil. As letras, as melodias, os arranjos, tudo me encanta.
Um dos meus hobbies, inclusive, é ir clicando infinitamente nos vídeos relacionados do Youtube. Escolho pela capa e pelo nome da banda. Sempre começo em um álbum que já conheço, como, no caso, o álbum que mencionei, que se chama o Nascimento, da banda o “Perfume Azul do Sol”.
A melhor faixa é “Pé de Ingazeira”. O eu-lírico da letra conta que cortaram um pé de ingá que ficava no fundo do quintal da sua casa. Mas, em compensação, uma outra árvore nascera em seu coração. E aí vem o refrão: “ninguém derruba, não/ ninguém derruba, não/ o pé de ingazeira dentro do meu coração”.
Fico bobo com essa música, pois, nos fundos do condomínio que morei quando criança, havia um pé de ingá onde eu e alguns amigos passávamos a tarde colhendo as vagens para depois lavar, dividir e então comer. Era uma aventura.
Quintal de Clorofila é outra banda que gosto. O álbum “Os mistérios dos quintais” contém músicas de letras lindas, como a primeira faixa, “As alamedas”, e mais adiante a “Balada da Ausência”. São letras que se sustentam como poemas, apesar de terem mais força poética musicadas.
O mais interessante dessa época é que não se preocupavam com o vocal perfeito, afinado à forma europeia. A música continha mais texturas e mais diversidade do que hoje. Exemplos do que quero dizer estão no álbum “Pão com Manteiga” da banda homônima, que remonta a lenda do Rei Artur com temas mais atuais à época, sendo a melhor faixa “Micróbio no Universo”. Título, inclusive, que me lembra de “Para Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina”, do Nei Lisboa, que ao falar sobre viagem intergaláctica, também expõe a fome e a miséria na face da Terra.
Muitas bandas e autores foram apagados. Walter Franco, por exemplo, gravou um álbum chamado “Revolver” cheio de músicas para poemas concretos. Jorge Mautner, Jards Macalé e Arrigo Barnabé possuem um jeito tão específico de cantar, uma autenticidade que hoje não vemos mais tanto por aí.
Dependendo a quem mostro estas músicas, não demora muito para os considerarem loucos, desafinados ou que não levavam a música a sério. Essa sensação me interessa muito: algo tão bem feito tecnicamente, mas de uma maneira que gere estranhamento e pareça de baixa qualidade. Rogério Skylab é mestre nisso.
Há também famosos nessa encrenca: Clube de Esquina, Novos Baianos, Gal Costa, Secos e Molhados, Serguei… Tem também o emblemático Zé Ramalho. Ele gravou um disco entitulado Paêbirú — que era o nome do caminho construído pelos indígenas Guarani e que ligava Santa Catarina a Machu Picchu — com participação de Lula Cortês, o cara que introduziu a cítara, instrumento indiano de cordas, na música brasileira.
Para amarrar Paebirú com o começo do texto, fica o registro de que foi produzido após comerem cogumelos alucinógenos — o trem azul com o Sol na cabeça, do Clube de Esquina —, em cima da Pedra do Ingá. Especificamente sobre Lula Cortês, seu melhor álbum se chama Satwa e tem participação do Lailson. E por aí vai. Poderia desdobrar mais inúmeros álbuns e canções, mas, por hoje, melhor parar por aqui.
Deixo duas indicações para quem quiser ler mais sobre o rock psicodélico no Brasil. Uma é o livro Lindo Sonho Delirante Vol 1: um projeto muito legal que reuniu 100 capas de discos de 68 a 75 e a história de cada um. O livro é de 2016 que consegui por ter ajudado o projeto no financiamento coletivo no Catarse. Agora, se encontra esgotado, mas deve existir em algum sebo por aí. A segunda dica é o canal do Henrique Beira no YouTube, há inúmeros álbuns para explorar, seja pelo nome da banda ou a capa. Clica em algum e boa viagem pelos vídeos relacionados.